Inteligência artificial: A euforia, as oportunidades e os receios
É a tendência tecnológica do momento: inteligência artificial. São várias as empresas – grandes, médias e pequenas – que estão a desenvolver ou a apostar em sistemas de inteligência artificial para ficarem mais competitivas num mercado digital bastante concorrido.
Existem projetos de inteligência artificial que pelas suas características e pela sua aplicabilidade acabam por ganhar maior destaque do que os outros. É disso exemplo a plataforma IBM Watson. Ainda a inteligência artificial não era um tema tão banalizado e já a IBM, em 2011, mostrava as capacidades deste seu supercomputador no jogo de cultura geral Jeopardy.
Foram precisos mais dois anos para que o Watson passasse a ter uma missão mais orientada para as empresas e para os seus utilizadores finais. Agora espera-se que no final do ano já mil milhões de pessoas tenham interagido com a plataforma da IBM.
O líder europeu de serviços cognitivos da tecnológica, Christian Kirschniak, esteve na semana passada em Portugal para dar vários exemplos de como o Watson já está a ser aplicado a uma grande variedade de atividades e de diferentes negócios.
Como explicou o executivo, dentro da IBM a plataforma está dividida em quatro grandes áreas: Watson Health, Watson Internet of Things, Watson Data Analytics e Watson Core Services. A partir destes grandes grupos a tecnológica norte-americana tenta depois integrar o Watson mediante os objetivos e necessidades de cada empresa.
“Com a ajuda de sistemas cognitivos como o Watson os negócios podem focar-se noutros elementos, como na experiência que providenciam aos utilizadores”, explicou Christian Kirschniak durante a sua passagem por Lisboa.
Apesar de todas as promessas de bons resultados que os sistemas de inteligência artificial prometem, também existem receios, tal como o próprio Christian Kirschniak reconheceu em entrevista ao Ntech.news. Falámos sobre o Watson, sobre o estado atual da inteligência artificial e sobre como as empresas querem resultados cada vez mais rápidos na implementação de novas tecnologias.
Por que razão a IBM escolheu o termo cognitivo e não o termo inteligência artificial, como todas as outras empresas, para definir o seu trabalho nesta área?
Se pensares nisso, acho que criámos o mercado. Nós introduzimos o Watson como um sistema cognitivo há quase nove anos. Isto era uma altura em que ninguém falava de inteligência artificial ou a inteligência artificial ainda era muito ligada à área da investigação.
Decidimos usar a palavra cognitivo porque é sobre o que os computadores devem fazer: compreender, aprender, raciocinar. A inteligência artificial é mais uma perspetiva abstrata, o cognitivo está mais relacionado com o que fazemos enquanto seres humanos.
Se estudares psicologia, não vais estudar sobre inteligência, começas por estudar habilidades cognitivas e é isso que queremos fazer com os computadores.
Mas – e existe sempre um mas – acho que também estamos a mudar um pouco agora, porque o mercado está a ir nessa direção, por isso falo em inteligência artificial também.
Também penso que na nossa perspetiva atual não queremos substituir a inteligência com inteligência artificial. Se usarmos o termo IA, normalmente usamo-lo como inteligência aumentada. Queremos ajudar as pessoas, os seres humanos, a alinharem estas tecnologias com os seus cérebros. Foi este o ponto da minha apresentação. Não substituir o trabalho dos seres humanos, mas ajudá-los a fazer um melhor trabalho, a ter melhor perícia e a ajudá-los a fazerem melhor as coisas. São estas as razões.
Fiz esta pergunta porque se eu for uma empresa e pesquisar por inteligência artificial, a IBM provavelmente não estará no topo dos resultados porque usam o termo cognitivo.
Não estou muito certo sobre isso. Uma das coisas que estamos a ver neste momento, da perspetiva do mercado, é que há duas formas de olhar para esse espaço [da inteligência artificial]. Um espaço está relacionado com aquilo que consegues mesmo fazer pelos negócios e pelas pessoas, e penso que nisso somos líderes mundiais. Conheço a minha pesquisa e penso que isso é inquestionável.
O que estamos a ver agora é o hype em torno da ideia de trazer parte da tecnologia cognitiva, incluindo o processamento de linguagem natural, para a casa. Para ser sincero, sem falar muito sobre os concorrentes, mas não consegues evitá-lo, sistemas como a Alexa e a Siri estão a abrir o espaço para que pessoas como tu e eu, possam interagir com dispositivos de uma nova forma.
As pessoas por vezes pensam que ou é inteligência artificial ou negócios cognitivos. Uma parte é perceber a linguagem para perceber o seu intuito e juntar os dados, mas tudo é sobre aprender e aplicar o conhecimento e incluí-lo num ciclo para que possas fazer algo com isso. É totalmente diferente.
Esta é mesmo a próxima grande fronteira tecnológica? Tivemos a web, o mobile…
Sim, penso que o cognitivo vai ser a próxima era, pelo menos é isso que pensamos. A infusão vai ser, diria, mais imersiva e embutida. Se fores à internet atualmente como consumidor, vou dar um exemplo: a The North Face é um cliente nosso e estamos a ajudar os utilizadores a encontrarem um casaco.
Em vez de fazer pesquisa, uso o sistema cognitivo para interagir e dizer: ‘Quero fazer uma caminhada em Portugal em dezembro, preciso de um casaco ou de calças para o exterior. O que preciso de fazer?’.
O sistema vai perceber como estará o tempo em Portugal em dezembro, qual o casaco que teríamos preferência em comprar, o que a loja tem em stock, se és homem ou mulher. Tudo isto é computacional, em vez de ires por pesquisas e por grandes catálogos de imagens.
Isto estará embutido, nem vais vê-lo, enquanto consumidor, que isto será a próxima big thing. Se olhares numa perspetiva profissional e é onde fazemos a maior diferença, áreas como a robótica e a automação, apoiadas por sistemas cognitivos ou de inteligência artificial, vão melhorar muitos processos, vão baixar os custos, vão ficar mais eficientes e vão fazer melhor as coisas.
Será a próxima grande área, mas não será… com a internet tiveste um momento em que tiveste um pico e depois ficou imersivo, penso que isto será algo mais gradual no nosso dia a dia.
Demorou dez anos até nos tornarmos num mundo mobile first. Quanto tempo pensa que será necessário até vivermos num mundo AI first?
Não diria AI first world porque penso que é sobre como interages, mas penso que nos próximos cinco anos vamos ver mudanças grandes, muito grandes na indústria. Toda a gente está a investir, toda a gente está a ir nesse sentido.
Estive em São Francisco na semana passada, se visses quantas conferências de inteligência artificial estavam a decorrer em paralelo…
…Levanta-se uma pedra e lá está a inteligência artificial….
Exatamente, exatamente.
O que é necessário para uma empresa abraçar com sucesso as tecnologias de inteligência artificial? Daquilo que vimos, é necessário produzir muitos dados para fazer sentido neste momento.
Em primeiro lugar é sobre reunir a informação, é recolher a informação e perceber a informação. Não ajuda se estiveres sentado numa pilha de dados e informação e não conseguires treinar o sistema e lhe dizeres do que se trata.
Depois consegue treinar-se sozinho e isso é algo muito importante.
Foi por isso que disse que se quiseres ser bem sucedido, tens de pensar em grande, mas tens de começar pequeno neste tipo de aposta. Está relacionado com o long tail, short tail. A tecnologia nuclear está a mudar de forma rápida e tens de perceber qual vai ser o teu resultado no futuro.
Nunca proporia algo em que tivesses um plano a três anos de abordagem a tecnologias cognitivas. Começas com um projeto e do que aprenderes daí aplicas à próxima fase. Este tipo de abordagem interativa e ágil é importante se quiseres ser bem sucedido.
Algumas camadas clássicas das organizações de TI têm um problema quanto a isto. Isso acontece porque é preciso mudanças nas gestões. Se pensares nas organizações clássicas em como podem abraçar isto, existe muito medo, para ser honesto, muitas pessoas não querem. As pessoas às vezes, diria, têm receio de serem substituídas.
Isso acaba por ser uma questão pois o caso não é esse, o objetivo é que possam fazer um melhor trabalho e que possam pensar nisso em como as empresas podem ser mais eficientes, mais competitivas, como podem fazer melhor negócios.
As empresas exigem resultados rápidos?
Absolutamente.
Rápidos como ‘O Watson é superpoderoso e queremos resultados num ano e meio’?
Penso que precisamos de ser ainda mais rápidos. A maioria das abordagens que vemos de momento é as empresas a quererem os primeiros resultados nos primeiros seis meses. Pelo menos querem ver alguma coisa. Não significa que seja bonito e esteja totalmente integrado, mas têm de ver que as coisas estão a funcionar e que o conseguem transpor para as operações.
É um mundo totalmente diferente agora. Se olhares para o paradigma do big data, que despertou há cinco anos, esse foi muito mais difícil de implementar. Demorou mais tempo a conseguir atingir tudo certo, agora as expectativas é que se consiga algo feito de forma rápida e seja possível ver alguma coisa, um produto viável mínimo.
Já vimos o Watson a executar tarefas em diferentes áreas, mas onde acha que esta plataforma pode realmente fazer a diferença?
Penso que a diferença que estou a ver é na influência na vida pessoal – diria que o Watson destaca-se em áreas como a oncologia, saúde, penso que é onde fazemos mesmo a diferença. Não é uma questão de ter melhores números ou processos, faz mesmo a diferença.
Se estiveres doente com cancro, por exemplo, e se conseguires ter um melhor tratamento graças a esta tecnologia, a tua vida pode ser salva. E já mostrámos isso. Penso que isto é uma parte central. Tudo o resto vai seguir-se, porque neste momento é sobre nós conseguirmos fazer com que esta tecnologia seja usada de uma boa forma e também de forma pacífica, conseguindo fazer estas coisas boas para a nossa sociedade.
Há pouco referiu a importância de sistemas como a Alexa e a Siri. A questão é: por que razão a IBM não tem um Watson focado nos consumidores?
Penso que existem duas razões. Em primeiro lugar estamos a permitir que os nossos clientes o façam, estamos a combinar a nossa tecnologia com estas tecnologias se eles quiserem. Estamos num mundo de plataformas de desenvolvimento abertas, penso que temos a melhor vantagem competitiva, nós sabemos o que estamos a fazer, mas por vezes é preciso integrar. Não estamos sozinhos no planeta e sabemos isso.
Em segundo lugar a IBM é uma empresa B2B, estamos a aconselhar clientes na área do B2B e isso é uma grande diferença. Se fizermos inteligência artificial com os nossos clientes, os nossos clientes são donos dos dados. Se fizeres isto com outras empresas, estarás a dar-lhes os teus dados.
É uma grande diferença para as empresas. Os dados e a informação são a propriedade intelectual no qual têm de desenvolver o seu negócio. Por que razão daria os meus dados a alguém que pode fazer dinheiro a partir daí?
As empresas que estão a trazer as tecnologias que referiste, sabemos do passado que eles já fizeram isto não só uma vez, eles varreram mercados inteiros. Essa é uma razão pela qual digo que estamos a proporcionar estas tecnologias aos nossos clientes e somos muito bons nisso. Mas não vamos para um espaço no qual digamos ‘temos de ter tudo’.
Queremos ter dados e estamos a providenciar dados – como a empresa de meteorologia que comprámos – que façam sentido para os nossos clientes, mas os seus dados são deles. Isso é importante.
É mais uma questão de dados do que uma questão de produto?
É sobre ser dono do conhecimento. Penso que é uma perspetiva de conhecimento. Eu disse isso: é tudo sobre conhecimento aplicacional. É isso que importa na inteligência artificial na minha perspetiva neste momento. Em termos de conseguir mais conhecimento na tua empresa, no teu sistema e na tua vida pessoal.
Os ativos à volta disso, o valor que crias para qualquer empresa de internet ou física que está a abraçar esta tecnologia, é ser detentor do conhecimento. Isto vai ser o futuro. Se pegares no conhecimento e o deres a um fornecedor de cloud, tens de pensar o que eles vão fazer com isso no futuro.
Também referiu os medos. Esta semana li um artigo interessante que dizia que a inteligência artificial do Facebook está a criar a sua própria linguagem. O que pensa sobre isto?
Para ser sincero, isto não é nada de novo. A primeira vez que interagi com o Watson, há sete ou oito anos, fui visitar os Yorktown Labs e já tínhamos a nossa própria linguagem para alimentar o Watson.
Penso que não é nada novo, é algo pelo qual já passámos, porque estamos a fazer isto há mais tempo. A diferença, penso eu, é que eles estão a usar essa linguagem e fazem um grande hype em torno disso, da mesma forma como a Apple fez com o Swift. Estas novas linguagens para diferentes propósitos estão bastante em voga, já temos algo como isso.
Se este tipo de trabalhos não forem bem explicados, as pessoas podem ficar ‘Wow, as máquinas estão a falar as suas próprias linguagens’.
Não é sobre as linguagens, é sobre os sistemas de alimentação de conteúdos para as máquinas, tornam-nos mais capazes de aprender. Tens de dizer à máquina a forma como deve fazê-lo.
Penso que o medo relativamente a estes trabalhos, não diria que as pessoas não estão educadas, mas ainda não estão profundamente nisso, o que pode criar uma espécie de ‘irritação’, diria mais assim.
O medo vem de diferentes formas. Se pensares no que esta tecnologia pode fazer no futuro, em torno dos trabalhos simples… Muitas pessoas são advogados, muitas pessoas estão a trabalhar com muitos documentos, pensa nestas pessoas como um grupo de trabalhadores que nunca foram afetados por qualquer racionalização. A única racionalização que tiveram foi a invenção do processador de texto, para que possam escrever as coisas de forma mais fácil.
Se pensares na inteligência artificial, os sistemas podem ler 20 documentos legais e dar-te uma sinapse em cinco minutos. Os estudantes e advogados precisam de duas semanas de trabalho para fazer o mesmo.
Como eu disse, a ideia não é substituí-los, mas dar-lhes mais ferramentas para que sejam mais eficazes nos seus trabalhos. Veremos como vai a sociedade reagir.
Dizem que a ideia não é substituir, mas uma empresa no Japão usou a inteligência artificial, baseada no Watson, para realizar parte do trabalho e trinta pessoas foram despedidas.
Vamos ver isso, mas da mesma forma que a revolução industrial também mudou algumas coisas.
Há uma história que eu costumo contar. Vivo numa área na Alemanha onde tínhamos muita indústria têxtil nos anos 1980. Muitas empresas foram à falência nessa década. Ainda temos uma taxa de desemprego de 2% ou 3% porque a indústria mudou e vão existir mudanças em todo o lado e não apenas por causa da inteligência artificial.
A questão é que agora está a tocar em áreas onde tens poder de computação e ideias em torno da inteligência artificial que estão a mudar áreas que nunca foram muito afetadas, é esse o problema que vemos. Mas estamos a criar empregos noutras áreas, portanto há um outro lado dos trabalhos que estamos a fazer com a IA.
Qual vai ser a posição do humano daqui a dez anos?
Não sou filósofo e não sou futurologista. Talvez não daqui a 10 anos, mas daqui a 20 anos vão existir muitas coisas que a nossa sociedade pode fazer, o que fazemos no nosso país e no mundo em torno destas tecnologias, isso é uma grande parte de como a nossa sociedade vai desenvolver.
Não é apenas sobre IA, é sobre como abraçamos este tipo de tecnologias para criar um futuro melhor. Sei que parece demasiado otimista, mas é aquilo no qual acredito.
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