Inteligência artificial, IoT e realidade virtual guiam transformação digital
As previsões da IDC estimam que em 2019, mais de 50% das 500 maiores empresas portuguesas terão uma equipa dedicada à transformação digital. A nível europeu, as pesquisas da consultora mostram que dois terços dos CEO já colocaram o tema no centro das suas estratégias de negócio, mas os mesmos números revelam que só 17% das organizações da região estão já numa fase avançada do processo de transformação digital.
Mas mesmo que a realidade mostre que a transformação digital ainda está a alguma distância de se concretizar em larga escala, o tema esteve na ordem do dia em 2016 e terão sido muito poucos – ou nenhuns – os eventos, os debates e os artigos sobre tendências nas TI que não tiveram esta referência. A abrangência do conceito e o nível de progressão das empresas levam vários especialistas a considerar que a transformação digital foi a buzzword de 2016 e mantém o estatuto em 2017.
«Na nossa opinião, a transformação digital veio para ficar. Há um mundo para transformar digitalmente», defende Céu Mendonça, CEO da Ciben. «O que acontecerá [nos próximos anos] é uma decomposição dessa buzzword nas áreas em que será aplicada», acrescenta a responsável. Na sua opinião, a relevância do tema está no facto de chamar a atenção para uma nova realidade, suportada em novas tecnologias que vão permitir alterar/melhorar processos.
Para Alexandre Pinho, diretor da área de serviços da Microsoft Portugal, «a tendência da transformação digital vai manter-se, até porque, apesar da visibilidade mediática do conceito, no plano do investimento e da gestão efetiva da mudança para o digital, nos encontramos ainda numa fase primária dessa transição, permanecendo um enorme potencial por realizar pelas nossas empresas».
O poderoso impacto de um cenário de digitalização total dos negócios é uma das grandes explicações para o espaço que o tema já ocupa na agenda dos gestores, seja «na otimização e alteração de processos de negócio existentes, pelo potencial de alteração e criação de novos modelos de negócio e consequente alteração da experiência dos clientes», como destaca Nuno Guerra, CEO da Create IT.
Alguns exemplos flagrantes desse potencial, citados pelo mesmo responsável, serão casos como o da Uber ou do Spotify, mas mesmo sem sair de Portugal há histórias que vale a pena contar. «É o caso da Farfetch, loja online de produtos de luxo, que conta com mais de 120 mil produtos em cada época, de mais de 1500 designers de todo o mundo», junta Nuno Guerra, que vê o projeto português como uma Uber ou um Booking da moda. No mercado nacional, outro exemplo será o da Renova, com a solução Made By You Renova, que permite a qualquer cliente personalizar e comprar guardanapos, que serão produzidos e enviados em 24h para qualquer destino a nível mundial. «A criação destes novos negócios implicou alterações significativas a diferentes níveis, nomeadamente no que respeita à plataforma tecnológica de suporte, aos processos de produção e à logística associada. Também ao nível da forma de trabalhar nas organizações, os processos de transformação são essenciais», destaca Nuno Guerra.
Inteligência artificial: o grande hype de 2017?
Se a transformação digital se afirmou como grande tema de 2016, a inteligência artificial assume-se para muitos como a grande tendência de 2017. Nos últimos anos, a tecnologia tem captado milhões de dólares de investimentos de gigantes como o Facebook, a Google, a Microsoft ou a Amazon, mas não só. O interesse nesta área generalizou-se e a expectativa de que em 2017 se concretizem muitas ideias e conceitos em produtos e serviços concretos é grande.
«2017 será o ano de “inteligentificar” quer as áreas de negócio das várias indústrias, quer os objetos em geral», acredita Maria João Mileu, CEO da Pknoa. «Por um lado, as organizações têm cada vez mais consciência da importância para a competitividade de analisar e obter valor da imensidão de dados disponíveis nos seus sistemas, no momento certo e com a velocidade adequada às exigências do seu negócio», defende a responsável. «Por outro, queremos aumentar o nosso controlo e visibilidade sobre os objetos do nosso dia a dia, automatizá-los e torná-los mais eficientes e eficazes, acelerando processos e reduzindo o esforço necessário para os utilizar», considera ainda Maria João Mileu, que dá como exemplos da tendência os carros e as casas inteligentes.
O potencial da tecnologia é tão abrangente que a torna aplicável aos mais diversos cenários, desde a «deteção de problemas, à computação cognitiva de suporte à decisão», como descreve João Araújo, diretor de estratégia e inovação na Glintt, que também vê no tema a grande buzzword da tecnologia dos próximos anos. Acredita que o caminho vai ser idêntico ao percorrido pela realidade virtual, que «depois de vários anos de promessa no hype cycle viu múltiplos exemplos de aplicabilidade».
Também neste domínio – da realidade virtual – os importantes investimentos de grandes players da indústria colocaram uma enorme expectativa nos desenvolvimentos em torno da tecnologia, que, até à data, é legítimo considerar como relativamente tímidos, face a todos os cenários que se foram desenhando. Mas há quem considere muito cedo para concluir que a montanha pariu um rato e isso mesmo espelham as tendências identificadas por vários analistas para 2017, que continuam a manter o tema da realidade virtual/realidade aumentada em destaque, uma visão partilhada por vários protagonistas do setor das TI em Portugal.
«O ano que agora se inicia será certamente o de afirmação destas tecnologias que se democratizaram no final de 2016», acredita Daniel Gomes, CEO da Masterlink. «Muito para lá da sua aplicação em conteúdos de divertimento, como é o caso da PlayStation, setores como o da saúde, operações, segurança, entre outros, vislumbram um futuro fantástico na produtividade e agilidade de equipas no terreno», acrescenta dando exemplos. Desde um médico beneficiando de orientação remota, via realidade aumentada, numa especialidade que não é a sua para tratar um paciente, a um mecânico que tire partido destas tecnologias para localizar um filtro do ar e perceber como pode substitui-lo, independentemente do modelo.
Outros sinais também podem ser vistos como indicadores de que a realidade aumentada, a par da realidade virtual, continua a ser uma forte candidata a grandes tendências tecnológicas de 2017, defende Joana Peixoto, diretora comercial e de marketing da Opensoft, que recorda o fenómeno do Pokémon Go. O jogo deu o mote para que milhões de pessoas em todo o mundo tivessem o seu primeiro contacto com a realidade aumentada e, na sua perspetiva, «é expectável que várias empresas se inspirem neste fenómeno para desenvolver novas experiências para o consumidor, ou que tirem partido da tecnologia para otimizar operações».
Misturando os dois conceitos, Luís Martins, head of marketing da IT People Innovation, prefere eleger o tema mixed reality como grande tendência tecnológica de 2017 e explica porquê:
«Apostaria em mixed reality, dada a forma incontornável como as realidades aumentada e virtual estão a afetar os negócios – e não apenas em grandes empresas, mas em todo o tipo de organizações. ONG, associações, especialistas e todos os profissionais podem, através destas tecnologias, acelerar os seus processos de negócio em mercados tão diversos como construção civil, retalho, turismo, educação e formação, saúde, telecomunicações.» O responsável faz notar que, além dos case studies e conteúdos disponíveis para aplicação num leque muito abrangente de áreas e para os mais diversos mercados (em setores como o turismo, retalho, arquitetura e educação/formação profissional), o potencial de crescimento «é imenso».
IoT: mais e melhor promete resultados ambiciosos
Na mesma linha, outras tendências em destaque nos últimos anos prometem voltar a marcar 2017, numa fase de maior maturidade e já com condições para produzir mais resultados no terreno. «Acho que a sigla IoT (Internet of Things), ou Internet das Coisas, é uma possível candidata a uma das tendências predominantes neste ano de 2017, numa perspetiva de Internet of Everything», defende João Mira Santiago, CEO da Bizdirect. O número crescente de dispositivos conectados tem acelerado o potencial da tecnologia e os desenvolvimentos em torno da inteligência artificial criam condições para que a informação recolhida por esta via ganhe valor e o interesse em trabalhá-la cresce.
Nuno Figueiredo, diretor de vendas e marketing da Ábaco Consultores, defende mesmo que a «Internet das Coisas – ou Internet de Tudo – está já a assumir um papel extremamente crítico, ligando não só negócios como também toda a sociedade, através de um conjunto de processos em que as máquinas comunicam umas com as outras».
O responsável vê a tecnologia como uma peça fundamental no desenvolvimento de capacidades preditivas, que podem ter um papel cada vez mais relevante quando aplicadas a componentes operacionais do negócio. Um exemplo que na sua opinião ilustra esse potencial é a manutenção preditiva, «no qual já há soluções que recolhem dados de sensores instalados em máquinas e baseados em dados históricos que preveem a probabilidade de uma máquina falhar e assim espoletar manutenção preventiva». É uma forma de diminuir custos de inatividade e melhorar a qualidade de serviço.
Para Nuno Figueiredo, aliás, a IoT, além de ser um dos grandes tópicos de 2017, é um dos grandes desafios, a par de temas como a mobilidade ou a cloud, que lideram uma lista em que também cabem tecnologias já referidas, como a inteligência artificial ou a realidade aumentada, embora na sua perspetiva nenhum destes tópicos seja tão preponderante como o da transformação digital, a que também chama Revolução 4.0.
«Permitirá não só o desenvolvimento de novos negócios, mas também a modernização de quase todos os verticais» e por isso é muito mais do que a simples automatização dos postos de trabalho. Instala uma realidade em que «a tecnologia está a ser pensada para melhorar os resultados e a produtividade dos trabalhadores, dando insights em tempo real graças a conceitos como a cloud ou a Internet das Coisas (IoT)», defende, fazendo dos dados «a chave para o sucesso pois hoje quem os sabe interpretar atempadamente terá certamente uma vantagem competitiva no mercado».
Indústria 4.0: monetizar é preciso
A quarta revolução tecnológica da indústria é outro tópico que promete não sair da lista de tendências em destaque este ano. Preparar o setor para os desafios de uma era marcada por novas tecnologias e pela reforma urgente de processos é uma prioridade assumida não só por empresas, mas até mesmo por governos, e Portugal não é exceção. O Executivo liderado por António Costa acaba de apresentar a iniciativa Indústria 4.0, com 60 medidas para fomentar a modernização do setor e apoiar a sua transformação digital, entre apoios à formação, vales para financiar projetos e outros instrumentos.
Entre os fabricantes das soluções tecnológicas que podem facilitar este tipo de projetos são muitos os que destacam a relevância desta mudança. «Esta nova revolução [a 4.ª Revolução Industrial] baseia-se na fusão das tecnologias de informação, elementos físicos e biologia, o que potencia um conjunto de inovações sem paralelo na história da humanidade», defende Isabel Reis, diretora da Dell EMC. «Alguns exemplos incluem a descoberta da cura para doenças que nos atormentam desde sempre, a banalização de carros autónomos ou uma mudança radical na forma como vão acontecer as guerras», acrescenta.
Neste novo enquadramento, além de todos os desafios que já se conhecem, Rado Kotorov, vice-presidente de estratégia de mercado e CIO da Information Builders, acredita que cabe um que é determinante e que será posto à prova ao longo deste ano: a capacidade de monetizar.
Na sua perspetiva, a Indústria 4.0 é uma realidade já hoje, mas o sucesso do conceito passa pela capacidade de monetizar as novas oportunidades que daí resultam. «Para a Indústria 4.0, uma cultura analítica é fundamental e basilar. Monetizar é chegar à gestão real da cadeia de valor dos dados e transformar petróleo bruto (os dados são o novo petróleo bruto) em gasolina. Isso exige sentido apurado do negócio e inteligência analítica», destaca o responsável.
A capacidade de gerar receitas e benefícios a partir das novas ferramentas que hoje são colocadas à disposição das empresas tem sido alvo de muito debate e deve continuar a ser «num momento em que a maioria das organizações já compreende o conceito [big data analytics] e em que, por outro lado, a oferta crescente de sensores garante a exequibilidade operacional da recolha de dados de várias áreas numa lógica IoT», concorda João Araújo, diretor de estratégia e inovação da Glintt.
Na sua opinião, aliás, os grandes tópicos de 2017 não serão apenas os conceitos tecnológicos capazes de potenciar a eficiência operacional nas cadeias de valor e a automação física, mas também a capacidade de melhorar e estreitar relações com o cliente. Defende mesmo que há uma «necessidade de digitalização da experiência do cliente final – como a gestão e a integração de múltiplos canais físico-virtuais – que continuará a constituir um ponto de pressão sobre as TI» em 2017, independentemente dos setores de atividade ou do posicionamento de cada organização, seja este B2B ou B2C.
Datification: nome de código para 2017?
São muitos os que elegem a Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês) e a inteligência artificial como os grandes temas de 2017. É também nessa perspetiva que encaixa a palavra escolhida por Jorge Sá Couto para buzzword do ano. Para o presidente do JP Group, a expressão define a «recolha de dados com o objetivo de os utilizar para prever ou moldar o comportamento humano», algo que será cada vez mais a missão das aplicações e serviços que usamos, dos mais simples, como os pedómetros, que medem passos a partir do smartphone, do smartwatch ou de uma pulseira de fitness, aos mais complexos.
A expressão não começou a ser utilizada este ano, nem o conceito, mas merece destaque em 2017, acredita Jorge Sá Couto, por estar a assumir novos significados, que espelham um conjunto de novas utilizações com um impacto potencial na qualidade de vida mais expressivo. «Não é uma palavra nova e em 2016 ganhou uma nova vida na comunidade global, pela mão dos tecnólogos que começaram a pensar em maneiras de usar estes dados em diferentes contextos, como, por exemplo, surtos de doenças, ADN e transações financeiras, com o objetivo de melhorar a vida das pessoas». Em 2017, o nosso dia a dia continuará marcado pela adoção de smart things que concretizam o poder dos dispositivos IoT e abrem caminho à inteligência artificial em todos os lugares, de casa ao escritório, passando por fábricas e instalações médicas, defende o responsável.
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