Planeamento e profissionalização críticos para dar escala às compras públicas de Inovação
Coimbra acolheu no final da semana que passou a 2ª Conferência Nacional de Compras Públicas de Inovação. O evento reuniu compradores públicos, empresas e diferentes interlocutores ligados a processos de contratação pública, que partilharam experiências e visões sobre o tema.
A ideia mais consensual do evento aponta para dois aspetos, considerados por quase todos os participantes, como críticos para que o Estado compre bem em todas as áreas, de um modo geral, e também na inovação. Os processos de compras têm de ser planeados e preparados com tempo. Os compradores têm de conseguir identificar bem as necessidades que têm e os instrumentos à disposição para preencher essas necessidades. Ou seja, a profissionalização do comprador público é vista como essencial, um caminho que já está a ser feito mas que precisa de ser melhorado, como admitiu Fernando Silva, diretor-geral do Tribunal de Contas.
O responsável foi um dos oradores a sublinhar a importância do planeamento das compras, até como forma de tirar melhor partido das ferramentas que o código da contratação pública já disponibiliza e contornar a realidade atual, que atira cerca de 80% dos procedimentos para ajustes diretos, a maioria com consulta a uma única atividade. «Depois de 15 anos de vigência já se conhecem as regras [do CCP]. O problema está no planeamento», sublinhou Fernando Silva, garantindo que o TC não aceita apenas compras orientadas a critérios de preço. «O Tribunal de Contas é completamente apoiante das compras públicas de inovação, mas é preciso comprar bem», frisou o responsável, voltando a remeter para o planeamento e correta identificação das necessidades.
Nas várias sessões sublinhou-se que as compras de inovação não cabem no molde tradicional das compras da AP e isso exige, antes de qualquer outra mudança, uma mudança de mindset e a aceitação de algum risco, condições essenciais para desbloquear oportunidades nesta área e comprar melhor, mesmo que não seja ao melhor preço.
«Estamos a falar de uma contratação pública que deve ser demand driving e que deve ser feita de modo que estimule o mercado a investir em soluções inovadoras, que ajudem a suprir necessidades não satisfeitas», referiu Filomena Vieira para definir a contratação pública de inovação.
Para lá chegar, admitiu a sócia fundadora da sociedade de advogados Vieira Costa Gomes, «temos de alterar a forma de pensar a contratação pública, desenvolvê-la de forma estratégica e aprender a desenvolver uma relação com o mercado, que ainda é bastante difícil e sinuosa».
A visão é idêntica àquela que deixou Isabel da Rosa (na foto), que sublinhou a necessidade de uma AP mais flexível (em termos de estrutura) e com um atitude diferente perante o risco, para que as compras de inovação ganhem o espaço que começam já a assumir noutros países da UE. “É preciso aceitar uma capacidade maior para o risco e perceber que antes de correr bem, as coisas podem correr mal”, alertou a vice-presidente do conselho diretivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça.
Compradores públicos partilharam experiências e constrangimentos
Quem está no terreno, queixa-se que «os procedimentos de compras de inovação não são fáceis de aplicar», como sublinhou Ricardo Silva, chefe da divisão de compras da Câmara Municipal do Porto. O responsável sublinhou também as limitações das entidades ao nível dos recursos com capacidade para avaliar procedimentos multicritério e de tempo, para preparar processos que permitam «o mais difícil: comprar bem». A receita da autarquia para ultrapassar constrangimentos, disse, tem estado precisamente no planeamento estratégico e no estreitar de relações com o tecido empreendedor da região, nomeadamente através da Porto Tech Hub.
Pelo Convento de São Francisco em Coimbra passaram outras entidades públicas, que partilharam projetos e estratégias para integrar critérios de inovação nas suas compras públicas. Ou exemplos concretos de como projetos europeus de I&D podem resultar em inovações com impacto no dia-a-dia, como ilustrou a Polícia Judiciária pela voz de Luísa Proença, diretora nacional adjunta. Em palco estiveram ainda projetos de compras pré-comerciais de inovação, como e da Energaia (projeto em curso na área da produção fotovoltaica) e o dos STCP (projeto concluído, na área dos transportes autónomos), entre outros oradores.
Luís Ferreira, diretor do Centro do lado da Agência Nacional de Inovação, fez um balanço da atividade do Procure+i, no ano e meio de existência que já soma. Sublinhou que o foco tem estado direcionada para serviços de apoio à promoção de projetos financiados no âmbito do Horizonte 2020 e na área das compras pré-comerciais (uma das fórmulas prevista para a compra pública de inovação). O centro fornece orientações, guias em português e apoio jurídico às entidades públicas.
Mais recentemente tem desenvolvido oficinas e está a dar os primeiros passos na intermediação de compras públicas de inovação. Estas duas últimas áreas são para aprofundar até 2024, sublinhou Luís Ferreira, que também destacou a intenção de virem a ser testados mais serviços pela estrutura, que tem gestão partilhada como o IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção.
O primeiro e único estudo realizado em Portugal sobre o potencial impacto das compras públicas de inovação na contratação pública, encomendado pela ANI e realizado pelo ISCTE em 2021, estimava que as CPI realizadas em Portugal valessem entre os 637 milhões e os 1,3 mil milhões de euros, com potencial para alcançar valores entre 1,9 mil milhões e 3,8 mil milhões de euros, até 2030.
As CPI são uma via para permitir às entidades públicas ir ao mercado à procura de respostas para necessidades de inovação, que não encontram “prontas a usar” em produtos e soluções comerciais. Em alguns países da Europa já representam uma fatia importante da contratação pública.
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