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SIRESP: Um caso de contradições

Publicado em 29 Junho 2017 por Ntech.news - Rui da Rocha Ferreira | 1333 Visualizações

Portugal viveu a sua maior tragédia de sempre. Perderam-se 64 vidas humanas no incêndio que afetou a região de Pedrógão Grande, há registo de duas centenas de feridos e o total de área ardida ronda os 53 mil hectares.

Após uma catástrofe destas dimensões é sempre necessário fazer uma análise crítica à situação para se perceber o que foi bem feito, o que falhou e o que pode ser melhorado em situações semelhantes.

Dentro das análises e investigações que têm sido feitos o termo SIRESP tem sido um dos mais referenciados. Mas afinal o que é e em que consiste o SIRESP? Fazemos um apanhado geral das principais informações que têm deixado este sistema de comunicações na ordem do dia.

O que é o SIRESP?

O SIRESP é o acrónimo para Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal. Na prática o SIRESP é uma rede nacional de emergência e segurança.

«Este sistema permitirá responder adequadamente aos desafios colocados às forças de segurança e da protecção civil na sua atuação diária ou em cenários de emergência – catástrofes, acidentes ou incêndios de grandes proporções -, estando previsto o acesso ao sistema por cerca de 53.500 utilizadores», lê-se na descrição oficial do projeto.

O SIRESP é utilizado por mais de 50 entidades diferentes que têm a seu cargo a área de segurança, de proteção, de socorro e de resposta a emergências em Portugal. Entre as entidades que usam o SIRESP estão a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana, as corporações de bombeiros, a Proteção Civil, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e o Instituto Nacional de Emergência Médica, por exemplo.

O SIRESP permite não só que cada entidade tenha o seu canal ‘privado’ de comunicação, como também permite que em caso de emergência as várias entidades possam comunicar entre si.

O projeto é gerido por uma empresa que dá pelo nome de SIRESP S.A.. Esta empresa tem como acionistas a Galilei – antiga Sociedade Lusa dos Negócios-, a PT Ventures, a Motorola, a empresa de segurança Esegur e ainda a Datacomp. O SIRESP, enquanto projeto, é resultado de uma parceria público-privada entre o Governo português e a SIRESP S.A..

Desde junho de 2007 que o SIRESP entrou em funcionamento, na altura apenas nos distritos de Lisboa e Santarém. Nos anos seguintes o projeto foi sendo alargado aos restantes distritos do país para garantir que esta rede de emergência cobria todo o território nacional. O SIRESP foi implementado ao longo de sete fases, sendo que a última correspondeu ao arquipélago dos Açores. O projeto ficou concluído em 2013.

Em termos tecnológicos o SIRESP utiliza uma tecnologia denominada trunking digital TETRA que foi desenvolvida pelo Instituto Europeu de Standards para as Telecomunicações (ETSI). Se em teoria o SIRESP funciona como as redes móveis que as pessoas comuns utilizam no dia a dia, existem características únicas associadas a esta rede e que a tornam apta para situações de catástrofe.

O SIRESP é composto por 550 antenas fixas retransmissoras. Estas antenas captam as comunicações por via hertziana, mas depois fazem o encaminhamento das comunicações por cabo. Num incêndio, como aconteceu em Pedrógão Grande, os cabos podem arder. Acontece que estas estações, mesmo não estando ligadas com cabo, conseguem garantir comunicações hertzianas locais e que se estendem por uma área de 30 quilómetros.

Isto permite que as equipas que estão no terreno comuniquem entre si, mas não permite que as comunicações dessas áreas sejam passadas para os centros de operações centrais. Quando as antenas fixas são afetadas pela catástrofe existem antenas de redundância, isto é, antenas que são móveis e podem ser movidas para o local para compensar a falha das antenas fixas.

Em Portugal existem quatro antenas móveis. Duas ainda não funcionam via comunicação por satélite, o que as tornava pouco úteis no incêndio em questão. Uma outra, pertencente à GNR, não foi movimentada pois estava avariada, fruto da recente visita do Papa Francisco a Portugal. A quarta estação, a cargo da PSP, foi de facto movida para o local.

Enquanto a antena de redundância não chegou, as comunicações terão sido afetadas. É aqui que a polémica que envolve a utilização do SIRESP no incêndio de Pedrógão Grande começa a dividir opiniões.

Funcionou ou não funcionou?

A discussão em torno do SIRESP está nas declarações contraditórias que têm vindo a público sobre o funcionamento da rede de emergência.

«A informação preliminar que tenho é a de que não houve uma falha total, houve intermitências, a fibra ótica foi destruída pelo incêndio mas foram colocadas às 20 horas [17/06], se a memória não me falha, redes móveis satélites para assegurar a rede SIRESP», disse dias mais tarde a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, em entrevista à RTP.

Já a revista Exame Informática apresentou uma versão diferente dos factos. Segundo as informações apuradas, as comunicações do SIRESP não estiveram a operar no seu pleno entre a tarde de 17 de junho e as nove horas da manhã de 18 de junho – altura em que chegou ao terreno afetado a única antena móvel disponível.

Informações reveladas mais tarde pela “fita do tempo” das comunicações registadas pela Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC), citadas pelo Público, revelam que os problemas na rede de comunicações de emergência começaram às 19:45 horas do dia 17 de junho.

«E nessas primeiras horas estão registados vários pedidos de ajuda de pessoas cercadas pelo fogo, a que os comandos operacionais não conseguiram dar resposta, ou pelo menos uma resposta imediata, devido às falhas nas comunicações», escreve a publicação. Nas horas seguintes há mais registos de falhas de comunicação.

Este relatório vem contradizer a análise feita pela própria SIRESP S.A. à rede que gere. «A informação apresentada permite concluir que não houve interrupção no funcionamento da rede SIRESP, nem houve nenhuma estação base que tenha ficado fora de serviço em consequência do incêndio», escreveu a entidade no seu estudo entregue ao Governo português.

Já os relatos dos bombeiros que estiveram a combater o incêndio no local apontam no sentido da falha do SIRESP, como salienta a TVI24. Também a Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC) admitiu o registo de falhas no sistema SIRESP entre sábado e terça-feira [17-20 de junho], falhas essas que foram mitigadas pelos sistemas de redundância.

Fruto destes diferentes relatos, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, já ordenou que fosse feito um estudo independente ao funcionamento do SIRESP. Esta investigação tem como objetivo encontrar possíveis falhas que tenham existido no sistema e também a proposta de medidas para que o SIRESP funcione em plenas capacidades mesmo em situações como a que se viveu em Pedrógão Grande.

O contrato

Enquanto a investigação independente não é concluída e divulgada, outra questão que tem sido debatida está relacionada com o contrato do SIRESP – em específico a cláusula 17 do contrato.

Composta por 17 pontos distintos, a cláusula nº17 isenta de culpas a SIRESP S.A. em casos de força maior. A definição prevista para ‘casos de força maior’ inclui «atos de guerra ou subversão, hostilidades ou invasão, rebelião, terrorismo ou epidemias, raios, explosões, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que diretamente afetem as atividades objeto do Contrato».

A abrangência da definição e da restante cláusula nº17 fazem com que o sistema de comunicações de emergência seja ilibado de responsabilidades em caso de grandes catástrofes – justamente o efeito para o qual foi estabelecido.

Caso seja determinada a indisponibilidade do sistema por violação das obrigações definidas no contrato, então as cláusulas anteriores, incluindo as de motivo de força maior, não são válidas.

O contrato também prevê que o operador de telecomunicações responsável pela rede – neste caso o MEO – fica obrigado a notificar o quanto antes e por escrito a SIRESP S.A. caso fique impossibilitado de cumprir as obrigações no contrato por casos de força maior. Neste documento escrito é preciso detalhar as obrigações não cumpridas e os motivos do seu não cumprimento – caso esta comunicação não seja feita, o operador fica responsável pelas obrigações que não cumpriu.

Posto isto, o estudo independente pedido pelo Governo será de grande importância pois vai confirmar, negar ou até trazer novos factos relacionados com o desempenho do SIRESP na catástrofe de Pedrógão Grande.


Publicado em:

Atualidade

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