Rotatividade em TI: um desafio estrutural que exige uma nova abordagem estratégica
Vasco Teixeira, Senior Manager Technology na Michael Page

O setor das Tecnologias de Informação vive uma nova realidade, marcada por três forças convergentes fundamentais: digitalização, escassez de talento qualificado e, mais recentemente, por uma elevada taxa de rotatividade de profissionais. Uma realidade que obriga as empresas a repensarem profundamente as suas estratégias de recrutamento, retenção e desenvolvimento de talento.
O fenómeno da rotatividade em IT não é novo, mas tem vindo a intensificar-se nos últimos anos. Estudos recentes demonstram que os profissionais de IT têm uma das taxas de rotatividade mais elevadas, com uma média de permanência inferior a 2 anos por função. Em Portugal, o cenário segue a mesma tendência, estimando-se que cerca de 45% dos profissionais do setor tenham mudado de emprego nos últimos 12 meses. Os principais motivos são claros: remuneração mais competitiva, desafio técnico e modelos de trabalho mais flexíveis, que permitam um melhor equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Esta volatilidade tem um impacto direto na execução dos projetos, na estabilidade das equipas e, sobretudo, nos custos operacionais associados à substituição de talento. A saída de um perfil técnico não representa apenas uma vaga por preencher, implica a perda de conhecimento acumulado, redução de produtividade e impacto na curva de aprendizagem do sucessor.
Perante este cenário, as empresas tendem a redesenhar as suas abordagens ao recrutamento. O foco deixou de estar apenas em “preencher vagas” para passar a centrar-se em atrair os perfis certos no momento certo, com processos mais rápidos, criteriosos e orientados ao fit cultural e técnico.
Entre as principais tendências, destacam-se:
• Processos de seleção mais ágeis, com decisões rápidas e propostas competitivas (ponto-chave);
• Investimento no employer branding, para atrair talento mais alinhado com os valores da organização;
• Flexibilidade como norma, incluindo modelos de trabalho híbridos ou 100% remotos;
• Recrutamento internacional, alargando a base de talento para além das fronteiras nacionais. De acordo com a Eurostat, mais de 30% das empresas de grande dimensão na Europa já recorrem a talento internacional para funções tecnológicas, número que tem vindo a crescer anualmente.
Se há algo que o mercado de IT já nos demonstrou é que reter talento é hoje tão ou mais desafiador do que recrutá-lo. Com um volume constante de propostas e oportunidades, muitas vezes provenientes de empresas internacionais, com maior capacidade financeira, os profissionais tech estão altamente expostos e as empresas sob pressão para criar condições que favoreçam a sua permanência a médio e longo prazo.
Dois dos fatores que mais pesam nas decisões de permanência são as condições financeiras e a flexibilidade.
Os salários no setor tecnológico seguem uma tendência de crescimento considerável e os profissionais estão, aos dias de hoje, muito mais informados sobre os benchmarks dos mercados onde atuam ou pretendem atuar. Um pacote salarial competitivo, que inclua não apenas o vencimento base, mas também benefícios complementares como: seguros de saúde, formação técnica, stock options ou bónus de desempenho é, muitas vezes, um critério eliminatório.
Por outro lado, a flexibilidade tornou-se de forma natural um requisito e não um benefício extra. Horários adaptáveis, trabalho remoto ou híbrido e autonomia no dia-a-dia são hoje vistos como parte integrante de uma proposta de valor moderna e alinhada com o que o talento procura. A ausência de flexibilidade é frequentemente apontada como um dos principais motivos de saída.
No entanto, há que referir que para além destes dois pilares, a retenção passa também por oferecer perspetivas de crescimento real, materializados em planos de progressão transparentes, acesso a formação contínua, envolvimento em projetos desafiantes e um ambiente onde o contributo individual possa ser valorizado. Por fim, a cultura organizacional continua a desempenhar um papel decisivo: empresas com lideranças próximas, foco no bem-estar e um propósito claro conseguem, não só atrair talento, como criar condições para o manter. É uma realidade: empresas que apostam fortemente em formação contínua, upskilling, flexibilidade e salários acima da média conseguem reduzir o turnover.
Onboarding: onde tudo começa (ou termina)
Num contexto de alta rotatividade, o processo de onboarding ganha uma relevância estratégica. Um plano de integração bem estruturado, que vá além da componente administrativa, tem um impacto direto no engagement e na retenção. Empresas que investem tempo e recursos nesta fase conseguem aumentar significativamente, não só o envolvimento, mas também a produtividade e o sentimento de pertença, desde o primeiro dia. Por outro lado, a ausência de um onboarding bem estruturado pode, por outro lado, gerar frustração, insegurança e desmotivação, fatores que muitas vezes, contribuem para saídas prematuras. O onboarding deve ser entendido como a primeira oportunidade para consolidar a escolha do profissional e demonstrar, desde o início, o compromisso da organização com a sua integração e desenvolvimento.
O papel dos especialistas em recrutamento tecnológico
Neste novo paradigma, o papel dos parceiros especializados em recrutamento no setor de IT assume-se como uma vantagem competitiva. A capacidade de compreender as dinâmicas do mercado, antecipar tendências de mobilidade e garantir o cultural fit entre o candidato e a organização não é um detalhe operacional, é um diferencial estratégico, sobretudo num momento em que o time to hire faz toda a diferença. A consultoria em recrutamento deixou de ser um serviço transacional para se afirmar como um apoio especializado ao crescimento sustentável das organizações.
A rotatividade em IT não é um problema conjuntural, mas sim um sinal de maturidade de um mercado global, dinâmico e altamente disputado. Ignorar esta realidade, equivale a comprometer o crescimento. As empresas que melhor se adaptarem, que encararem o talento como um ativo em constante movimento e que construírem propostas de valor realmente diferenciadoras, estarão mais bem preparadas para crescer e liderar, de forma sustentável, num setor em permanente evolução.
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